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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Dengue em BH: uma tragédia anunciada


"Através do LIRA a Prefeitura de Belo Horizonte sabia em 2012 que teria uma epidemia em 2013 e mesmo assim a PBH não conseguiu controlar os focos;

a prefeitura deveria ter feito um trabalho mais forte de orientação, de conscientização e tomado medidas para matar essas larvas, com inseticidas químicos ou biológicos;

a prefeitura e o governo estadual não fizeram tudo que podiam para evitar a epidemia, que era uma tragédia anunciada;

os Agentes Comunitários de Endemia, são muito mal remunerados e muito mal gerenciados pela prefeitura (...) uma das profissões mais mal remuneradas da saúde;

a Prefeitura de Belo Horizonte demorou para admitir que a gente vive uma situação de epidemia da dengue, muito em função do impacto político que isso traria;

países mais pobres que o Brasil que com medidas de conscientização e organização do sistema de saúde conseguiram enfrentar e erradicar a doença;

o inseticida químico que a PBH usa, com o tempo, tende a gerar resistência das larvas do mosquito, que passam a não morrer mais com a substância;

a Prefeitura de Belo Horizonte perdeu a guerra contra o mosquito. A dengue escancarou problemas estruturais do sistema de saúde no nosso município;

as famílias têm que fazer sua parte, mas é preciso entender o papel do poder público." Dr. Bruo Abreu Gomes - médico PSF



Joana Tavares, Portal Minas Livre

Confira a entrevista com o médico da família Bruno Abreu Gomes, que explica o que poderia ter sido feito para evitar a epidemia de dengue em Belo Horizonte e Minas Gerais.

Bruno, a dengue é culpa de quem deixou água parada em casa, do descuido das famílias?

Primeira coisa, vários países do mundo, inclusive países que também são quentes, têm um clima tropical, são úmidos, não viveram e não vivem uma epidemia de dengue como Minas Gerais e o Brasil têm vivido. Na América Latina, países como Bolívia e Venezuela têm número de pessoas com dengue em relação à população total, que no termo técnico chamamos de incidência de dengue, dez vezes menor que Minas Gerais. Por que isso acontece? Essa é uma evidência que desmascara a teoria da prefeitura que a culpa é das famílias. Segundo, a Prefeitura de Belo Horizonte, mensalmente, faz uma pesquisa que se chama Lira, que mede o índice de infestação de larvas do Aedes Aegypti, que é o mosquito que transmite a dengue, para ver como está a presença das larvas e do mosquito nas casas, na cidade, no estado. O índice de infestação das larvas já estava alto antes da epidemia. Então todos os técnicos já anunciavam que Belo Horizonte ia enfrentar uma epidemia de dengue nesse período das chuvas, caso a prefeitura não conseguisse controlar esses focos.

O que a prefeitura poderia ter feito?

A prefeitura deveria ter feito um trabalho mais forte de orientação, de conscientização e tomado medidas para matar essas larvas, com inseticidas químicos ou biológicos. Deveria também ter construído uma estrutura de profissionais de saúde capaz de atender as pessoas adequadamente caso a epidemia viesse. Nenhuma dessas três medidas foram feitas de forma adequada. Tanto é que o número de casos de dengue nessa epidemia de 2013 já é superior ao número de casos de 2010, que foi também uma epidemia importante. Então, a prefeitura e o governo estadual não fizeram tudo que podiam para evitar a epidemia, que era uma tragédia anunciada. Outra questão importante é a carência de equipamentos públicos. Essa gestão do prefeito Marcio Lacerda prometeu para a população de Belo Horizonte a construção de mais 73 centros de saúde e sete UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) que até agora não saíram do papel. São serviços que poderiam ajudar a diminuir a demora dos atendimentos e melhorar a qualidade da atenção que se dá a cada pessoa. Uma caso que chama muito a atenção é a UPA da regional Nordeste, que está instalada de forma provisória no subsolo de um hospital, sob condições de iluminação, calor, ventilação, sub-humanas. Os profissionais que trabalham na unidade e os pacientes estão submetidos a condições que podem piorar sua condição de saúde. É uma obra que está atrasada há alguns anos – foi aprovada pelo Orçamento Participativo em 2008 - e até agora não foi concretizada.

Qual foi o orçamento destinado para a dengue, depois do alerta dos especialistas?

Parte dos recursos da saúde já são destinados periodicamente para as ações de prevenção à dengue. Além disso, o Ministério da Saúde investiu, depois da epidemia instalada, R$ 170 milhões, no Brasil inteiro, para enfrentar a dengue. Esse recurso ainda é muito inferior ao que deveria ter sido investido. Por exemplo, para reformar o Mineirão, os custos totais foram estimados em R$ 800 milhões. Certamente o valor investido para a dengue não dá conta de resolver todos os problemas. Estamos enfrentando hoje em Belo Horizonte uma situação em que faltam profissionais de saúde para atender todas as pessoas que sofrem com os sintomas.

Qual a condição de trabalho dos profissionais da saúde hoje?

Essa é uma questão bastante importante. Os profissionais de saúde diretamente responsáveis pela prevenção da dengue, por visitar as casas, conscientizar as pessoas e aplicar os inseticidas para matar as larvas do aedes, que são os Agentes Comunitários de Endemia, são muito mal remunerados e muito mal gerenciados pela prefeitura. Em Belo Horizonte, esses profissionais não têm nem um plano de salários e carreira. Então essas pessoas, depois de entrarem na prefeitura, não têm perspectivas de melhorias salariais, de condições de trabalho. É uma profissão que não tem um plano, um projeto. É uma das profissões mais mal remuneradas da saúde. Não temos dúvida de que, para ter uma boa equipe para cuidar da dengue, temos que ter bons profissionais. Em Cuba, por exemplo, os equivalentes aos Agentes Comunitários de Endemia do Brasil recebem tanto quanto um médico. E no Brasil, o salário e a gestão do trabalho dessas pessoas ainda é muito aquém do que deveria ser.

O que caracteriza uma epidemia na saúde pública? Estamos mesmo vivendo uma epidemia de dengue?

Há determinadas doenças que durante todo o ano estão presentes na vida da população, como a leishmaniose, a hanseníase, a tuberculose. Uma epidemia é caracterizada quando o número de casos de pessoas com a doença aumenta numa quantidade expressiva. A Prefeitura de Belo Horizonte demorou para admitir que a gente vive uma situação de epidemia da dengue, muito em função do impacto político que isso traria. E a quantidade de casos em pouco tempo, que a gente enfrenou e enfrenta em 2013, já caracteriza uma epidemia. Mas a expectativa é daqui pra frente diminua o número de pessoas infectadas, com o fim das chuvas.

Você citou países que conseguiram acabar ou diminuir muito a quantidade de focos de dengue. Como isso foi possível?

Cuba, em 2002, fez uma grande campanha de conscientização da população, com o trabalho de agentes comunitários, para erradicar a doença e de 2002 a 2010 ficou livre da dengue. O Vietnã também tem experiências interessantes. São países mais pobres que o Brasil que com medidas de conscientização e organização do sistema de saúde conseguiram enfrentar e erradicar a doença. No Vietnã, 300 mil pessoas que vivem na zona rural não tiveram dengue graças a medidas que eles tomaram.

Além da conscientização, o que o poder público poderia ter feito para evitar a epidemia?

O inseticida químico que a PBH usa, com o tempo, tende a gerar resistência das larvas do mosquito, que passam a não morrer mais com a substância. Essa questão é objeto de estudo e pesquisas científicas em vários países, mas podemos dizer que o inseticida que a prefeitura usa hoje não dá conta mais de matar as larvas. Mas há outras experiências, como no Vietnã, onde foram usados caramujos para conter as larvas, fazendo o controle biológico. O fato é que a Prefeitura de Belo Horizonte perdeu a guerra contra o mosquito. Ele já anunciava que estaria presente numa grande quantidade, e os órgãos públicos não conseguiram conter o desenvolvimento das larvas. Minas Gerais é o quarto estado do Brasil com maior incidência de dengue – casos de pessoas infectadas em relação à população total - e é o estado que mais tem casos em números absolutos, e o maior número de mortes por dengue em todo o país. A dengue escancarou problemas estruturais do sistema de saúde no nosso município, no estado e no Brasil: a demora nos atendimentos, a falta de profissionais,a sobrecarga de trabalho dos trabalhadores atuantes. São problemas que já existiam e que foram visibilizados pela dengue. A dengue escancarou que a saúde em Minas Gerais está doente e precisa ser tratada com a atenção e prioridade necessária. Em outros lugares do mundo, já há sistemas de saúde que dão conta de enfrentar momentos como esse. A dengue foi a gota d'água que fez o copo transbordar. Deixou claro que estamos longe de ter um sistema único de saúde que seja gratuito, universal, que possa atender todas as pessoas de forma humana, com qualidade. Como nós queremos e como o povo brasileiro lutou na construção do SUS.

O que o cidadão pode fazer para se prevenir contra dengue e o que precisa fazer para se cuidar se perceber os sintomas?

A primeira coisa para prevenir a dengue é ter condições de moradias dignas e o recolhimento de entulhos, para evitar criadores do mosquito. Pneus, plantas, lixo acumulado tudo isso pode ser reservatório para as larvas se desenvolveram. Claro que as famílias têm que fazer sua parte, mas é preciso entender o papel do poder público. Há denúncias de focos de dengue em vias públicas, em obras, em beiras de rodovias. Esses grandes locais que acumulam entulho são os principais responsáveis, mais que as casas das famílias. A mortalidade da dengue é muito pequena, muito menor que a leishmaniose, por exemplo. Mas é preciso ficar atento aos sintomas. Depois de instalada a doença, o ideal é que se procure a unidade básica de saúde para que sejam feitas as orientações para evitar as formas mais graves da doença.

Como a pessoa com sintomas da dengue pode saber se corre riscos de desenvolver uma forma mais grave da doença?

Há alguns sinais, que a gente chama de sinais de alerta, que sugerem que a pessoa pode estar desenvolvendo a forma mais grave da doença. Os principais são o sangramento – da gengiva, nariz, na urina, nas fezes – vômitos que não cedem, desmaios, falta de ar e dor abdominal intensa. Nesses casos, a pessoa deve procurar imediatamente uma unidade de saúde para receber o atendimento.

FONTE: http://minaslivre.com.br/entrevista-5/4649-a-dengue-escancarou-que-a-saude-em-minas-gerais-esta-doente

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